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terça-feira, 23 de abril de 2013

Cenas em um shopping - XXXII

Na mesa ao lado tinha uma moça bonita.

O palco da vida alheia,
para um solitário como eu,
tem sido a mesa ao lado!

Meu espetáculo do dia a dia.

Dessa vez, 
foi um casal que deu sua contribuição
para o meu entretenimento!

PRIMEIRO ATO

A mulher era bonita,
mas isso, minto, eu não tinha notado.
O rapaz - pobre rapaz - tinha um olhar de desespero contido... 

Passado o período de aquecimento,
que deve ter acontecido atrás das cortinas,
o peça só começou
quando a conversa tomou ares de drama
e altura de declamação!

Os diálogos eram confusos e se sobrepunham;
os protagonistas falavam ao mesmo tempo
(suponho que esse efeito dramático fosse intencional!)
Ela vociferava em tom de epopéia;
ele se defendia, numa interpretação intimista.

Ela cruzou os braços,
expressão facial contrariada
e acusou-o de ter feito aquilo (sei lá o quê!)
"de propósito"...

- Você não vai mesmo, não é?

Então ele se levantou,
atravessou a praça de alimentação,
desapareceu
e ela se manifestou:

- Que saco!

A moça bonita
se transfigurou!
Deu-me calafrios!
(Belíssima interpretação!
Com que perfeição ela encarnava a megera!)

SEGUNDO ATO

Em instantes retornou o seu companheiro!
Trouxe guardanapos de papel
e os entregou, consternado, à dama!
Ela deixou escapar algum palavrão inaudível
e, rapidamente,
envolveu seu hambúrguer nesses imprescindíveis guardanapos!

O mistério foi desfeito!
Que maravilha!
Logo no início do segundo ato o Diretor encerra a trama
e revela o seu argumento!

Retira o véu que esconde a sordidez humana!

Os atores parecem, nesses instantes finais do drama,
esquecerem-se um da presença do outro:
- Ela, devorando seu sanduíche,
seu desatinadamente importante sanduíche!
- Ele, olhar perdido no vácuo...

Fiquei extasiado com aquela representação do cotidiano,
com aquela comédia tragipatética 
que revelou a insignificância e a fragilidade de um relacionamento
ante a inadiável,
inalienável
e irremediável
necessidade
de guardanapos!

Soberbo!
Tive vontade de aplaudir!
Que argumento!
De que vale a gentileza, afinal?
De que vale a moderação? O respeito? O entendimento? A ternura?
Se faltam guardanapos!?

Bravo!

Mas as cortinas baixaram
e eu notei que o rapaz continuava
com o olhar
no vácuo...

E eu tive pena,
porque senti que ele escolhera
se relacionar
com a beleza errada!

Na mesa ao lado tinha uma moça feia.


Gilberto de Almeida
23/04/2013


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